sexta-feira, 26 de abril de 2013

O Som Ao Redor



No beco ou na varanda
o medo é o mesmo.

Ruge a rude urbe.
Eu vaticino:
não há assassinatos,
só ajustes.

Já há tempos que se necessitava de um retrato tão fiel e tao genial da ascendente classe-média no nosso país. Machado de Assis fez isso dentro do seu realismo, os modernistas, apesar de focarem na brasiidade, não tinham tanto material em mãos para trabalharem como hoje se tem. No início do século passado, e no decorrer dele, a classe-média brasileira não era tão expressiva, culturalmente falando. O que se vê hoje no país é uma massificação dessa classe social. No ugar de maioria pobre, vemos hoje, no país, o maior contingente populacional estagnado ente as partes mais superiores e as partes mais inferiores da pirâmide social. E isso é matéria para a produção de arte.

O filme  'O som ao redor' se passa em uma vizinhança de uma bairro nobre da capital de Pernambuco. Com um estilo de filmagem tecnicamente bonito e facilmente apreciável, o diretor vai buscar outras formas para inserção do telespectador dentro do universo do filme, e essa forma é exatamente a sugerida pelo título: o som ao redor. Dentro da cozinha de uma família tão típica no Brasil, no meio de um dialogo na mesa do café, ouvem-se as buzinas dos carros que passam pela rua, ouve-se barulhos das construções pelo bairro, pessoas em outras casas conversando... tudo de uma maneira surpreendentemente real e, principalmente para quem vive em um universo parecido (o que no Brasil de hoje seria a maioria da população), extremamente catártico. 
Com um roteiro em segundo plano (observa-se apenas pequenos traços do que poderia ser uma história delineadora), o diretor leva aos que assistem o filme à um universo rotineiro desse grupo social tão marcante e tão crescente no país. Não existem fatos de muito impacto que desencadeiam consequências incalculáveis, o que vê-se no filme são apenas dias normais de pessoas comuns. A sensação de tédio que o filme transmite, com suas duas horas e alguns minutos de duração, nada mais é que uma estratégia para incrementar e fortalecer o retrato criado do quotidiano de algumas famílias de Recife.
Porém, engana-se quem pensa que é apenas isso. A ideia do filme, que eu achei a mais bem elaborada, foi trazer para o filme, traços característicos, principalmente nesse referido e direcionado grupo social, de personalidades. Além disso o diretor exibe de forma genial como os sons, os barulhos urbanos, já estão profundamente arraigados no homem e como o homem os encara como se fossem manifestações da própria natureza. Barulhos de serras têm o mesmo efeito que o barulho da chuva, os sons dos celulares são vistos da mesma forma que o vento tocando as folhas das árvores. 
Um dos pontos muito bem incriminados no filme é o de como esse modo de viver, como a selvagem urbe, vem afetando o equilíbrio humano. O diretor aponta como o homem tornou-se vítima do seu medo, como os momentos que deveriam ser de tranquilidade de corpo e de espírito podem tornar-se momentos de enfurecimento ou de transtornos e aflições, e a supervalorização sonora das cidades ajuda a compreender bastantemente bem esses pontos. São questionamentos muito importantes, na minha opinião, sobre a validade do modo de vida que vêm, aos poucos, descobrindo e se inserindo mais e mais brasileiros.
O poema acima, no meu ver, combina extremamente bem com o filme. "No beco ou na varanda/o medo é o mesmo". Dentro das nossas casas, ou bem fora delas, os medos, as aflições que os cidadãos urbanos possuem é igual. Quem nunca se perturbou com o medo da possibilidade de, por exemplo, a casa ser invadida? Quem nunca teve receio ao andar por uma rua qualquer? "Ruge a rude urbe/ Eu vaticino/ não há assassinatos/ só ajustes". O modo de tanta selvageria e tão agressivo ao espírito humano com que se tem erguidas as cidades brasileiras, será que é justificável? Será que os assassinatos são apenas os ajustes necessários ao conforto de todos? Será que todos os sons inquietantes são realmente descupáveis pelo progresso e acomodação que trazem?
Um filme com boas ideias, uma fotografia muito bonita, direção, diria eu, uma das melhores do cinema brasileiro, e um retrato interessante e bastante verossímil da realidade do Brasil. Kleber Mendonça Filho acerta em cheio no seu primeiro longa-metragem.
Ahhh! Há quem diga que o filme é muito tedioso. Se existe o tédio, ele é proposital, mas os 131 minutos em que decorrem essa película são mais rápidos que os 90 minutos de duração de muitos filmes por ai. 

Trailer:



Avaliação: