
Eu sinto certa arrogância na voz de quem diz que tal filme não é para qualquer um, como se quem conseguiu entender o que o filme "quis passar" fosse, de certa forma, superior e muito mais sabido que quem não "entendeu o filme" Eu ouço muito isso a respeito de filmes que forçam um pouquinho a compreensão e exigem do espectador certo nível de atenção. Bom, eu sentia certa arrogância, porque este filme, As harmonias de Werckmeister, do diretor húngaro Béla Tarr, me convenceu que existem, sim, filmes que não são para qualquer um.
Béla Tarr, um diretor desconhecido até mesmo para os leigos mais achegados ao cinema, afirma-se no cenário internacional como um diretor contemporâneo de uma técnica de filmagem extremamente perfeita e perfeccionista, além de escrever e colocar em prática roteiros que vão forçar de maneira significativa a capacidade de compreensão do espectador. Discípulo do eterno Andrei Tarkovski, Belá Tarr abertamente não se importa de fazer um filme que certamente será considerado "maçante", "chato", ou "extremamente exaustivo" para a maioria dos que assistem, provocando uma reflexão no modo de ver e apreciar cinema. Em declarações, Tarr diz que o "tédio" faz parte da vida do ser humano, e questiona a apresentação de sequências com muitas ações dentro dos filmes.
É exatamente uma atmosfera de tédio que vai permear os meandros de 'As harmonias de Werckmeister'. Mas, apesar disso, ao menos para a minha humilde percepção, o filme transcorre fluido, com poucos momentos que causam desinteresse em quem assiste, mesmo nos dois ou mais minutos em que acontece a aproximação de um caminhão até o ponto onde a câmera se localiza (entre muitos outros exemplos como esse). Durante quase 150 minutos, quem vê a esse filme irá se deparar com uma fotografia (extremamente) linda (de encher os olhos mesmo), sob uma filmagem em preto-e-branco e muito tocante, onde o diretor, de maneira genial, consegue fazer confundir as imagens da câmera com as próprias visões das personagens, colocando o espectador, literalmente, dentro do filme. (Ok, a respeito disso há divergências. Eu li algumas críticas dizendo do imponente estilo de filmagem dessa obra, que dá a impressão de "deus" olhando sobre todos os cenários e personagens, trazendo ao espectador uma sensação de onipotência onisciência. Minhas perspectiva foi completamente a oposta. Por diversos momentos eu tinha a impressão de que a intenção do diretor era realmente deixar a quem assiste o filme "na pele" do personagem János, protagonista).
Se sobre a filmagem não há dúvida da genialidade de Tarr, minha concepção do roteiro vai noutra direção...
Primeiramente porque o filme não é literal. Isso mesmo. O desenrolar da estória do filme é apenas uma alegoria, uma metáfora, para as verdadeiras significações do diretor. E, neste ponto, acredito eu, e longe de mim duvidar de um diretor de cinema tão renomado, o diretor acaba pecando. Fazendo uma pesquisa rápida, eu pude observar a pluralidade que existe de entendimentos para 'As harmonias de Werckmeister'. Isso significa que o roteiro acaba ficando vago, aberto à múltiplas interpretações. E isso não é apenas para coisas do gênero de "o que acontece no final", mas, sim, cada pequeno elemento dentro da obra vai ter múltiplas interpretações por parte do público que assiste. Da minha parte confesso que fiquei meio perplexo com o desenrolar do filme, e tudo ficou distante demais para mim, acabei não conseguindo extrair muita coisa. Mas, ao ler diversos comentários sobre o filme, eu pude tecer uma conexão entre os fatos e me colocar mais a par do que realmente remete o filme
O certo é que o diretor no roteiro irá dialogar profundamente com os conceitos do filósofo Nietzsche, como niilismo e a modernidade. Uma baleia, que chega num circo à cidade onde se passa o filme, morta, vai representar exatamente a figura de deus, um príncipe que também vem com o circo, espalha ideias niilistas. János, um carteiro, aquele que "leva mensagens", será interpretado como o Messias (como não lembrar de Zaratustra?). E nesses termos segue a estória, que exige um nível de abstração e associação extremamente alto do espectador. E, caso os conhecimentos em filosofia sejam ínfimos, o filme literalmente apenas poderá ser sentido, e a compreensão será, praticamente, impossibilitada.Mesmo sem entender o roteiro profundamente, eu fiquei bastante instigado com o trabalho de Béla Tarr, Estou ansioso para assistir a algum dos seus outros filmes.
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