Se, por um lado nós, brasileiros, sempre nos gabamos de ter cinco copas do mundo e o melhor jogador de futebol da história, por outro, temos de dar o braço a torcer para o cinema argentino, perante a nossa centenária, e várias vezes centenária, rivalidade com os hermanos. É certo que temos nomes como Glauber Rocha, Fernando Meirelles e Fernanda Montenegro, mas, sob a minha óptica, a atual produção cinematográfica da Argentina vem superando a brasileira. Beira a estupidez dizer que o cinema de um país é melhor que o de outro, mas que os argentinos sabem fazer filmes de qualidade indubtável, que enchem-nos os olhos, isso é fato. E a estória mais uma vez se repete em 'Medianeras', um filme excepcional, que passa longe de decepcionar, em todos os seus aspectos.
A vida imita a arte, ou a arte imita a vida? Qual o papel do lugar onde nós moramos na formação do que nós somos? Será que uma pessoa tem mais chances de tornar-se violenta se nascer num meio violento ou mais chances de tornar-se angustiada, depressiva e sozinha se for criada numa sociedade extremamente individualista? Longe de mim defender o determinismo positivista, onde o meio vai interferir soberanamente na construção de um caráter, eu também não vejo tanta razão na filosofia de Sartre que quase pode ser resumida na máxima do "O que você fez daquilo que fizeram de você?". É claro que nós nascemos e estamos eternamente fadados a ter a culpa do que somos, como a própria filosofia sartriana colocaria, estamos "condenados a sermos libertos", mas, independente do que nós nos tornamos, a culpa de sermos o que somos não é exclusivamente nossa. O filme 'Medianeras: Buenos Aires na era do amor virtual' vai, exatamente dialogar com esses aspectos, explorar o dia-a-dia de dois jovens médios que vivem numa Buenos Aires extremamente moderna, retratando o que se tornou das relações interpessoais na era em que as novas tecnologias ao mesmo tempo aproxima e afasta tanto as pessoas uma das outras e do mundo ao redor.
Qual o papel das cidades na vida que levamos? Será apenas um refúgio contra as selvagerias de viver em plena floresta? Seria apenas conglomerados de homens ao redor de indústrias para que se possa fazer o capitalismo evoluir? Seria meramente conforto e abrigo? No mundo em que estamos, hoje, muito mais que social ou econômico, viver numa cidade tem suas consequências psicológicas individuais. Morar sozinho numa quitenete de poucos metros quadrados, com pequenas aberturas, janelas quase inexistentes, iluminação hegemonicamente artificial, no centro de uma edificação urbana qualquer, e ser bombardeado todos os dias, ininterruptamente, pela poluição sonora advinda dos carros, pela poluição visual das propagandas, do próprio concreto que se agiganta e parece ser o novo oxigênio, tudo isso traz a solidão aos corações humanos, a melancolia... E, aliado com as tecnologias que, ao invés de aproximarem pessoas, por vezes acaba substituindo o contato face-a-face, uma conversa presencial, o ser humano, ao menos no caso das personagens desse filme, acabam que "presos" em prisões sem grades, mas que não possuem uma escapatória aparente.
Nesse jogo de apresentar a vida moderna nos seus aspectos mais marcantes, o filme mostra a tentativa de personagens que tentam destruir essas prisões e verem-se mais livres, menos afogados no próprio individualismo que a sociedade a eles impôs. 'Medianeras' é um filme bastante contundente e coerente nos dias de hoje. Apesar de claramente focar-se para a realidade argentina, o filme pode facilmente adequar-se à realidade de qualquer morador de grande cidade. Uma direção muito bem trabalhada, um roteiro bem produzido, com frases e imagens impactantes e catárticas, fazem deste um filme realmente necessário, que demonstra a genialidade da produção cinematográfica de los hermanos.
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